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Redes Sociais e Pobreza

Matéria interessantíssima e que sugere discutir com nossos alunos como o Network pode intervir em melhores condições de empregabilidade.
Vale a pena conhecer esse estudo publicado pela Agência FAPESP.

Redes de inclusão

7/5/2010
Por Alex Sander Alcântara

A discussão sobre pobreza quase sempre esbarra nos indicadores de renda, que explicam apenas uma das facetas do problema. Se duas pessoas tiveram acessos diferenciados a serviços públicos como educação e saúde, por exemplo – embora possuam a mesma renda nominal –, uma delas pode ser considerada mais pobre. Além disso, se ela estiver isolada espacialmente, será mais segregada do que a outra.

Pela renda a pobreza até pode ser atenuada, mas, por outro lado, a desigualdade não, pois é reproduzida de várias outras formas. Pesquisas feitas no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP e também um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – têm se dedicado cada vez mais a ampliar essa percepção.

Um dos eixos de estudo foca na relação entre redes sociais e pobreza e mostra que a desigualdade está presente também nas primeiras. Uma das hipóteses sugere que, além da renda, a sociabilidade – relações familiares, de amizade no trabalho ou na vizinhança, na igreja, associações, entre outras – tem grande impacto nas condições de vida.

Um estudo conduzido por Eduardo Marques, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do CEM, tem indicado que membros de redes com grande homofilia – com parceiros de contato com mesmo perfil socioeconômico e demográfico – têm maior dificuldade para conseguir um emprego, por exemplo.

“A pobreza é multidimensional e articula vários elementos sociais. Até agora, nossas análises sugerem que redes sociais de pessoas pobres tendem a ser menores, menos diversas e mais locais do que as da classe média. Mas essa constatação pode ser observada também entre os mais desfavorecidos, explicando por que alguns indivíduos são mais pobres do que outros com mesma renda”, disse Marques, coordenador da pesquisa, à Agência FAPESP.

A pesquisa sobre redes sociais – que conta com a participação de duas doutorandas e uma mestranda – foi apresentada durante o Seminário Internacional Metrópole e Desigualdade, realizado em março último.

O estudo de campo colheu dados de redes pessoais de indivíduos pobres de São Paulo e Salvador e comparou com uma pequena amostra da classe média. Foram cerca de 362 casos de pessoas pobres (sendo 209 de sete regiões em São Paulo e 153 de cinco regiões em Salvador) e 30 de classe média.

De acordo com Marques, a amostra da classe média – que foi somente de São Paulo – foi usada apenas para ter um parâmetro. A lógica do estudo foi escolher casos muito diferentes entre eles, principalmente em relação aos pobres, cujas redes variam muito internamente.

“Por isso, escolhemos locais que representam situações urbanas diferentes no interior de cada cidade do ponto de vista da segregação, das condições de moradia e do tipo de habitação, como favelas próximas a bairros ricos e pobres, favela de periferia e outros, e representamos nas duas cidades situações de pobreza muito diferentes”, explicou.

Segundo ele, a escolha de São Paulo e Salvador se deu por se tratar de duas cidades com características bem diferentes do ponto de vista da malha urbana e do mercado de trabalho, mas o que se observou foi que os padrões gerais são similares.

“Percebemos que São Paulo apresenta redes de sociabilidade um pouco maiores, enquanto em Salvador as redes tendem a ser mais densas. Mas o que impressiona é justamente a similaridade em ambas, que sugere que esse padrão que obtivemos em São Paulo é sólido, ou seja, representa uma regularidade nas situações de pobreza”, disse o professor da USP.

Combinação complexa

As entrevistas focaram nas redes de contato do indivíduo. As pessoas foram abordadas em espaços públicos e em casa durante a semana ou no fim de semana. Foram coletadas informações relacionadas às redes e os atributos de seus componentes quanto ao gênero, idade e emprego, status usado para controlar a amostragem e combinação de critérios. Para as pessoas de classe média, as entrevistas foram agendadas por telefone.

“Nos dias da semana, por exemplo, entrevistávamos mais mulheres e, dependendo do horário, mais idosos e jovens. Corrigimos as diferenças nas entrevistas seguintes, realizadas em fins de semana”, explicou Marques.

Os perfis de sociabilidade mostraram semelhanças entre as cidades, com a esfera familiar respondendo em primeiro lugar, com 40,6%, e a vizinhança em segundo, com 31,6%. Em seguida, o trabalho correspondeu a 8%, seguido por amizades (5,9%), igreja (4,6%) e estudos (3,3%).

De acordo com Marques, a esfera familiar é muito alta também na classe média. “Mas pessoas pobres que têm redes concentradas na família, nos vizinhos e nos amigos tendem a ter condições piores do que pessoas com sociabilidade concentrada no trabalho, em associações e na igreja”, disse.

O conjunto das pesquisas conduzidas no CEM parte do pressuposto teórico de que o mundo do trabalho, as políticas e ações do Estado e a sociabilidade representam as três fontes de bem-estar, sendo decisivos para a superação da pobreza.

“Quanto menor a ‘homofilia potencial’ maior a probabilidade de se encontrar pessoas diferentes do grupo no qual se está inserido, em comparação com as esferas da família, da vizinhança e dos amigos. Com isso, as pessoas têm mais acessos a informação, repertórios e oportunidades”, disse.

A ideia do estudo é mostrar que muitos indivíduos podem estar segregados no espaço e, ao mesmo tempo, conectados por redes. “O espaço e as redes podem se combinar de maneira complexa, com um combatendo o efeito do outro”, afirmou Marques.

Segundo ele, a pesquisa estabelece, em um primeiro momento, uma relação entre a classe média e pobres, mas depois é feita uma aproximação nos indivíduos menos favorecidos.

“Quando se faz um mergulho na classe menos favorecida, existe uma enorme variedade interna. O estudo procura explicar por que alguns são mais e outros menos pobres, e por que alguns têm sociabilidade mais variada e outros menos, por exemplo”, disse.

A introdução do estudo de Salvador foi importante, segundo Marques, porque trouxe mais segurança para as hipóteses. “Em um primeiro momento, a situação pareceria específica para São Paulo, devido às suas peculiaridades econômicas e sociais, mas não era. O caso de Salvador mostra que há essa similaridade”, apontou.

As análises referentes a São Paulo serão publicadas em livro (no prelo), que será lançado em breve pela editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Mais informações: http://www.centrodametropole.org.br/

Comentários

  1. Interessante esse artigo, me fez perceber que a eliminação da pobreza vai muito além do simples aumento da renda das pessoas.

    Alexandre.

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